Nos últimos dias, surgiu no Jornal de Negócios, uma notícia sobre como o mercado português deve lidar com a revisão do jogo online, pela opinião da APAJO, "Operadoras querem BdP a ajudar no combate ao jogo online ilegal".
A própria Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online, que na entrevista foi representada pelo presidente Gabino Oliveira, que é também co-fundador e CEO da Bet.pt, uma das operadoras licenciadas, acabou por publicar a notícia na íntegra.
No seguimento das análises Academia ao ponto de situação da lei, não podemos deixar de comentar alguns dos pontos da notícia.
Na nossa opinião, tudo que ajude a impedir a ida de apostadores para operadores fraudulentos, deverá ser implementado. Mas atenção, muitos destes operadores, apenas não são regulados em Portugal, não são na sua operação, melhores ou piores do que os regulados, apenas estão perante uma oportunidade que uma lei com falhas lhes possibilitou.
Temos dúvidas que se possa considerar que os mesmos meios de depósito usados em 80% dos depósitos nos operadores regulados, tenham de igual forma esse volume nos operadores não regulados.
Consideramos também que será difícil ao Estado conseguir impedir esse jogo por meio de meios de depósito. Se o mesmo Estado não consegue impedir a existência de jogo físico ilegal, pode, com estas medidas, estar simplesmente a atirar com os jogadores para uma zona ainda mais cinzenta.
A única forma de realmente proteger os jogadores, que são também eleitores, e também contribuintes, é alterar a base de tributação do jogo online, passando a mesma do volume de apostas para a receita.
Todas as outras alternativas podem favorecer alguém, ou alguma entidade, mas irão sempre prejudicar estas centenas de milhares de eleitores.
“Em primeiro lugar, estava previsto que fosse revista no ano passado, algo que continua sem acontecer”
Sem dúvida e quanto mais se aguarda, mais jogadores são prejudicados. É urgente criar os regulamentos em falta, é urgente trazer para a esfera legal todo o jogo que ainda não está legal. É urgente criar condições para diminuir o mercado não regulado. Para isso, é essencial mudar a base de tributação.
“apesar de nos termos disponibilizado para colaborar, fosse no âmbito do grupo de trabalho fosse de outra forma”
Sem dúvida, tal como os verdadeiramente interessados na situação, jogadores, que são também contribuintes e eleitores, não foram chamados a colaborar de forma satisfatória.
A associação estima que a taxa efetiva de imposto no total do mercado tenha sido de 12% no ano passado.
Pelas contas da Academia, a taxa efetiva de imposto nas apostas desportivas foi de 13,2%, tal como podemos ver no artigo: Imposto do jogo online é extorsivo, discriminatório e predatório.
51.604.000€ / 391.519.800€ = 13.2% é a taxa média do ano de 2018.
“Em países onde os impostos são baixos, como é o caso de Itália, o mercado ilegal tem uma dimensão considerável”
Fazer com que o mercado ilegal desapareça é quase impossível, contudo, porque não comparar esse tamanho do mercado ilegal com outros países que não a Itália, por exemplo, com a regulação do Reino Unido? No que confere a mercados ilegais, Itália não é mesmo o melhor dos exemplos.
Este quase já foi publicado no mesmo artigo sobre o imposto predatório e avalia o grau de absorção do mercado, comparando com diferentes regimes de imposto.
“Estes números não nos parecem fiáveis. Se o mercado regulado gerou 2,4 mil milhões no ano passado, isso quereria dizer que os portugueses teriam apostado cerca de 10 mil milhões de euros. O Reino Unido, um mercado maior e maduro, num ano gerou seis mil milhões”
Há algumas comparações neste ponto, que para nós, são erradas. Desde logo, colocar todo o volume do mercado português no mesmo saco, quando os impostos que estão errados e atiram os apostadores para o ilegal, são os impostos sobre as apostas desportivas. O volume nas apostas desportivas é de 391,519M€.
E vamos então comparar com o Reino Unido, tido como o mercado mais maduro.
Em toda esta comparação, o valor que nos causou mais estranheza, foi mesmo o de 6 mil milhões, gerados no Reino Unido, como comparação com o mercado nacional. Mas o que são esses 6 mil milhões afinal?
Segundo a Gambling Commission UK, no seu mais recente relatório, o GGY (ou GGR, ou Receita Bruta), foi de £5,4Bn, um pouco acima de 6 mil milhões de euros. Mas atenção, estamos a falar de receita bruta e não de volume de apostas. Em Portugal, no ano de 2018, a receita bruta total foi de 152,1 M€, ou seja, 30 vezes inferior à receita bruta do Reino Unido.
Podemos, no mesmo relatório, ver quais as variantes de jogo online que mais contribuiram para este GGR:
Podemos comparar esse valor com a receita bruta do mercado de apostas desportivas em Portugal, que no ano passado foi de cerca de 78 milhões de euros, ou seja, a receita bruta no Reino Unido, foi 32 vezes superior à de Portugal.
Mas, afinal qual é o volume de jogo online no Reino Unido?
Segundo dados da mesma Gambling Commission UK, o valor comparável com o jogo online que em Portugal é de 2,4 mil milhões de euros, é de somente, 111 mil milhões de libras, ou aproximadamente 130 mil milhões de euros. Ou seja, 54 vezes superior a Portugal. Este valor é uma comparação mais acertada do que o valor da reportagem, onde se falava em 6 mil milhões de euros.
Ainda assim, para a comparação ser mais real, apenas se deviam comparar apostas desportivas. Neste segmento, o volume de apostas em Portugal, é de 391 milhões de euros.
Para Inglaterra temos que inferir um valor, uma vez que esses valores estão muito agregados.
As apostas desportivas online representam 69,6% do GGY total. 2,262m / 3,254m = 69.5%
E então, vamos assumir que serão também 69,5% do volume total de apostas desportivas. 69,5% de 8,885m = £6,176m ou 7145M€
Será este então o valor comparável com os 391M€ de volume de apostas desportivas do mercado português. 7145M€ que é um valor 18 vezes superior ao nacional.
Ainda assim, há muitas variantes nesta análise que não podemos controlar. Sendo as apostas desportivas a porta de entrada da maioria dos jogadores online, muitos acabam também por apostar em casino e outras variantes. Se os operadores não regulados conseguem angariar jogadores de apostas desportivas, vão em seguida beneficiar também com estes jogadores em casino e outros jogos de sorte e azar.
O mercado português é também muito fraco na vertente jogo físico, o serviço é mau e não é uma alternativa ao jogo online. A própria deficiência do jogo físico, faz com que o volume de jogo online cresça um pouco em Portugal. No Reino Unido, quem prefere jogar fisicamente, encontra um bom serviço e pode inclusive apostar ao vivo.
Em suma, na nossa opinião, os operadores estão a ver a situação por uma perspectiva errada. Fazem uma comparação com dados que não são comparáveis. Queremos salvaguardar que a pesquisa exaustiva e a diferença de terminologias ou até mesmo da moeda entre Reino Unido e Portugal, podem levar a algum dos dados possa ter sido trocado. Contudo, isso não fará certamente variar as conclusões.
Além disso, o mercado devia pensar nos apostadores, pois são estes, que são também eleitores e contribuintes, que pagam a totalidade do imposto, mesmo que de forma indireta. É preciso proteger os jogadores.
O regulador também se esquece de todos os milhões que um mercado bem regulado vai trazer por via de patrocínios de clubes de futebol e de publicidade.
Temos um mercado ineficiente e o regulador está a ser conivente.